Infelizmente, uma homenagem dupla

Odeio vir aqui me despedir dos meus ídolos. E ultimamente, grandes despedidas andam acontecendo. Em menos de quinze dias, o mundo perdeu duas figuras icônicas para a música: Lemmy Kilmister e David Bowie. Dois britânicos, que chegavam aos 70 anos (ou quase) e morreram pouco depois de fazerem aniversário. Me despedir de Lemmy estava sendo complicado, mas com a repentina e surpreendente morte de Bowie percebi que tinha que homenagear estes homens que de algum jeito fizeram do mundo um lugar melhor.

Lemmy já era uma lenda do rock antes mesmo de fundar o Motörhead: foi roadie de ninguém menos do que Jimi Hendrix, e expulso de uma banda de space rock (!) por ser preso com drogas (!!). Em 1975, funda o Motörhead, com "Fast Eddie" Clark e "Philty Animal" Taylor, que viria a ser uma das maiores bandas de heavy metal de todos os tempos - para mim, junto com o Black Sabbath, é a banda que melhor define todo o espírito do estilo com apenas uma música, "Ace of Spades". Criou um estilo totalmente novo de se fazer música, inspirando tanto uma nova geração de bandas de metal britânicas que tocavam alto e rápido quanto os punks, que viam na energia bruta liberada pelo grupo uma válvula de escape a ser copiada; e conseguia ser respeitada dentro de ambos os estilos, o que é raro, num mundo com fãs tão fiéis e exigentes quanto os do rock n' roll.

Lemmy era conhecido por seus hábitos simples - em outras palavras, de levar a máxima "sexo, drogas e rock n' roll" ao pé da letra. Era de conhecimento público de que Lemmy tomava uma garrafa de Jack Daniels por dia desde os 30 anos de idade, e que dizia ter feito sexo com mais de 1200 mulheres. Sua persona sempre vestida de preto, com um grande chapéu, o cabelo comprido, suas características verrugas, a voz rouca e o cigarro quase sempre aceso criaram uma imagem icônica, o bad boy do rock n' roll. Muitos leigos não entenderam a comoção causada por sua morte, mas, além da aparência indestrutível, de sobrevivente, Lemmy era uma pessoa muito agradável, como disseram todos que o conheceram. Dave Grohl, líder do Foo Fighters, disse que quando Lemmy conheceu sua filha, apagou o cigarro e deixou o copo de bebida de lado, em respeito à criança. Foi um homem que morreu em plena atividade, fazendo shows até onde sua condição de saúde permitiu e compondo (boas) músicas novas, sem se acomodar aos grandes sucessos do passado. E, além de tudo, viveu conforme os próprios termos, até que uma vida de excessos cobrou seu preço e um câncer extremamente agressivo finalmente o venceu. Foi uma perda trágica, e o mundo definitivamente é um lugar menos rock n' roll sem a presença de Lemmy entre nós, mas, como ele mesmo cantou, o único momento em que ele foi fácil foi quando foi vencido pela morte.

A morte de Lemmy já era esperada, dada sua fraca condição de saúde. Mas o que eu não esperava era acordar, em uma segunda-feira chuvosa, e ver no jornal da manhã que David Bowie estava morto. David Bowie, o camaleão do rock. David Bowie, na minha opinião, o artista mais inspirador de todos os tempos. Aquele que viveu, respirou e produziu pura arte. Muitos não sabem, mas Bowie é um dos artistas que eu mais admiro, tanto em sua habilidade em se reinventar musicalmente e criar música de qualidade em vários estilos, como em seus talentos extra-musicais, no cinema, e sua influência inegável para a moda. Transitando entre o rockabilly, pop, glam, new wave e até mesmo mostrando batidas funkeadas em suas músicas, ele criou personagens icônicos como Ziggy Stardust e Thin White Duke, que são copiados até hoje, e era dono de um enorme talento vocal - quem nunca se arrepiou em ouvir o brilhante dueto entre David e Freddie Mercury em "Under Pressure"? - , além de ser um excelente compositor. Suas letras falavam muito sobre o espaço, mas também sobre o amor, compreensão e esperança. Bowie foi polêmico em assuntos relacionados a sexualidade em plena década de 1970, dando aos jovens incompreendidos alguém tão ou mais excêntrico quanto ele para admirar. Foi parceiro de nomes como Brian Eno e o padrinho do punk, Iggy Pop.

Bowie nunca parou de fazer música, mesmo tendo parado de excursionar e se tornado recluso nos últimos anos, por motivos de saúde. Sua última apresentação ao vivo foi em novembro de 2006, em um evento de caridade em Nova York. Após um hiato de 10 anos, lançou (The Next Day) em 2013, e Blackstar, no último dia 8, seu aniversário de 69 anos e dois dias antes de sua morte. O mais incrível é que Bowie viveu e morreu como um artista: pessoas próximas a ele disseram que, apesar de estar lutando contra um câncer no fígado, David trabalhou duro para produzir uma obra-prima. Ele sabia que estava morrendo, e quis deixar um presente de despedida para todos os seus admiradores. Poucas pessoas nascem com uma aura tão artística e inspiradora quanto Bowie, e isso é o que me faz duvidar que ele realmente tenha sido humano. Prefiro acreditar que ele não morreu, apenas voltou à sua forma original (que eu prefiro imaginar como Ziggy) e ao seu planeta natal, porque cumpriu sua missão de trazer arte e beleza às nossas vidas. Afinal, há um homem das estrelas esperando no céu. Ele gostaria de vir nos ver, mas acha que irá nos enlouquecer.

Obrigada, Lemmy, obrigada, Bowie. Obrigada por fazerem nossas vidas mais rock n' roll e completas. Obrigada pela música e pela arte. Sentiremos muitas saudades, mas nunca lhe esqueceremos.

PS: Eu sei que a foto é fake, mas foi uma montagem tão legal que eu não quis deixar de colocá-la.


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