Pearl Jam no Estádio do Morumbi - 14/11/2015

O Pearl Jam é quase a única das grandes bandas grunge que sobreviveu ao tempo com a majestade - e a formação clássica - intactas. O suicídio do líder do Nirvana, Kurt Cobain, colocou o primeiro prego no caixão do estilo, logo em 1994. Embora o Alice in Chains tenha encontrado um ótimo cantor, William DuVall e continue fazendo sucesso, Layne Staley, que foi a cara do grupo, e o ex-baixista Mike Starr estão mortos. O Stone Temple Pilots desistiu dos vícios de Scott Weiland e colocou Chester Bennington, do Linkin Park, em seu lugar. Apenas o Soundgarden, que ficou parado por 12 anos e divide seu baterista com o Pearl Jam, continua na ativa com os integrantes clássicos.

O Brasil gosta muito da banda. Em todas as vezes que vieram ao país (2005, 2011, 2013 e 2015), lotaram estádios - com exceção de 2013, já que o único show da banda na ocasião foi no festival Lollapalooza, no Autódromo de Interlagos. A turnê de 2015 foi a maior, passando por cinco cidades: Porto Alegre, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro - o último show deve estar começando enquanto escrevo isso.

Após constantes decepções de não conseguir ver a banda ao vivo (e aqui entra um fator emocional: o primeiro show de rock que eu me lembro de realmente ter prestado atenção, em transmissão televisiva, foi o de 2005, no estádio do Pacaembu, em São Paulo, e aquilo me marcou de tal forma que naquele momento decidi que queria experimentar aquela sensação), comprei meu ingresso e fui. Estava com os dois pés atrás, porque qualquer um que tenha lido meu post sobre o show do Foo Fighters no estádio do Morumbi sabe que eu fiquei extremamente decepcionada com a qualidade do som, que acabou com boa parte da experiência para mim.

O sábado, 14 de novembro, foi um dia quente e ensolarado. Me instalei na arquibancada cerca de duas horas e meia antes do início do show, espantada com a dedicação da banda ao merchandising vendido na banca oficial. Um modelo de camiseta com as cores da bandeira brasileira, outro com um logo contendo a data e a cidade do show. Um poster frente e verso exclusivo para aquele show, lembrança das tradições punk de fazer artes criativas anunciando datas. Tudo caro, porém com um trabalho de arte maravilhoso.

Precisamente às 20h44, as luzes do estádio se apagam e a banda, formada pelo maravilhoso Eddie Vedder nos vocais e guitarra, Stone Gossard e Mike McCready nas guitarras, Jeff Ament no baixo e o lendário Matt Cameron na bateria entra no palco com o vigor de um bando de garotos de vinte e poucos anos que acabaram de sair da garagem, embora já passem dos cinquenta. A primeira música é "Long Road", um pouco morna demais para o meu gosto para iniciar um set, seguida por "Of the Girl" e "Love Boat Captain", mantendo o clima de calmaria, porém de uma forma boa, já que o maravilhoso instrumental da banda e os vocais densos de Eddie reproduzem com fidelidade tudo o que já foi gravado em estúdio. Para, enfim, começar o show de rock, uma pedrada: "Do the Evolution", que faz os presentes pogarem e gritarem.

O clima grunge continua, com "Hail Hail" e a ótima "Why Go", do álbum de estreia, Ten, com exatamente a mesma potência de 1991. As músicas do lançamento mais recente do grupo, Lightning Bolt, dão as caras em dobro: "Getaway" e a punkíssima "Mind Your Manners", parecendo ter saído direto de uma cruza dos Sex Pistols com os Dead Kennedys, fazem as rodinhas explodirem na pista.

Mais uma poderosa dos tempos primórdios, "Deep" precede uma faixa mais 'boazinha', "Corduroy". "Lightning Bolt", como por ironia, conta com efeitos especiais naturais vindo direto do céu, que estava cheio de raios e uma ventania, que prenunciava uma boa e forte chuva paulistana, que lavaria as almas e os cabelos de todos os 60 mil fãs de rock presentes ali. Eddie expressava muita preocupação com a segurança de todos, visivelmente abalado com a tragédia do dia anterior, em que mais de 100 pessoas foram assassinadas em um ataque terrorista durante o show do Eagles of Death Metal em Paris. A ventania foi tanta que Eddie ficou sozinho no palco para cantar a belíssima "Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town", que arrancou lágrimas de alguns (leia-se eu) presentes. A banda volta ao palco para mandar "Even Flow" com vigor e deixando muitas gargantas roucas por ali.

Mas o show estava apenas começando, e olha que estava com mais de uma hora. A ventania e os raios só se intensificavam, e os primeiros acordes arrepiantes de "Jeremy" soaram por todo o sistema de som. A chuva finalmente deu as caras na metade de "Better Man", e muitos nem se importaram - já que está na chuva, é para se molhar, e curtiram o show sem capas mesmo. Após a faixa seguinte, "Rearviewmirror", a primeira parte do show foi encerrada.

Eddie pede, em português (que, para um americano, ele pronuncia muito bem, a quase todo momento, sendo extremamente simpático e engraçado) faz um discurso pedindo por paz e que todos acendam seus celulares e se lembrem das palavras de um grande homem, John Lennon, e o estádio se ilumina e vira um grande coral para o cover de "Imagine". A próxima, a linda "Sirens", mantém o clima de calmaria. Os acordes iniciais de "I Am Mine" surpreendem ao menos a mim, que não esperava essa, e cantei com a pouca voz que me restava. Após "Porch", a banda deixa o palco mais uma vez, mas volta.

É engraçado como o show do Pearl Jam é um show no qual você vai tanto para ouvir músicas pesadas quanto baladas emocionantes. O segundo encore começa na vigésima sétima música do show, e tem simplesmente "Black" e "Alive" em sequência, lavando definitivamente a alma de todos os presentes. Provavelmente vendo que já passava da meia noite e das duas horas e meia de show, alguém acende todas as luzes do estádio contrariando a banda (já que, no início do clipe de "Even Flow", o próprio Eddie diz "this is not a TV studio, turn the lights out! It's a fucking rock concert!"), que não dá a mínima e manda o famoso cover de Neil Young, "Rockin' in the Free World", a lindíssima "Yellow Ledbetter" (que tem seu efeito um pouco estragado pelas luzes, convenhamos) e agradece aos presentes, ao país, joga palhetas e baquetas e muitos começam a deixar o estádio. Loucos, pois o telão ainda não haviam sido desligados e eles simplesmente voltam para o palco e mandam "All Along the Watchtower", de Bob Dylan para, definitivamente, encerrar a noite.

Exatamente três horas de um show cru, puro, vigoroso, melódico, animado e muito emocionante. E com som bom. O Foo Fighters que me desculpe, mas esse foi um show de três horas com muita energia, sem muitas firulas e enrolação, que reacendeu minha admiração e paixonite pelo carismático Eddie Vedder. Com certeza entra na minha lista de melhores shows de 2015 - e da vida.


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