Rock In Rio - 19/09/2015

Ainda me lembro como se fosse ontem. Assistindo ao Jornal Nacional, em casa, após o trabalho, meio distraída - e William Bonner disse que mais uma atração do Rock In Rio havia sido confirmada. Não dei muita bola - achei que seria algo do tipo Rihanna, Katy Perry, Sam Smith. Levou um décimo de segundo para eu identificar Nikki Sixx na tela. Sim, o inimaginável acontecera! O Mötley Crüe tocaria no Rock In Rio! Nessa hora, o típico orgulho paulistano tomou conta de mim - se vão tocar no Rio, com certeza tocarão em São Paulo. Porém, na hora em que o lineup foi definido, o site do festival já cantava a bola: é a sua última chance de ver a banda no Brasil. Vai perder?

Não, óbvio. Pois, na manhã do sábado, 19/09, armada com minha querida camiseta preta com um pentagrama invertido estampado (a capa censurada de Shout at the Devil) e minha mais querida companheira de shows, embarquei em uma excursão com destino à Cidade do Rock. Depois de nove horas de viagem, desci do ônibus, enquanto o Angra iniciava seu show. Dei uma olhadinha neles com a maravilhosa Doro Pesch e o divertido Dee Snider no palco Sunset, e me virei para procurar a montanha russa que, claro, estava com uma fila gigante. "E se a gente fosse pelo menos ver o palco principal, para ter uma noção de onde é, e depois voltasse para a fila?", foi o que passou pela nossa cabeça, e rumamos para o palco Mundo, que estava praticamente vazio - claro, pois não teria nenhum show ali até as 19h. A oportunidade de ver a minha banda preferida do lugar mais perto possível era imperdível. Chutei minha programação inicial de lado - montanha russa, depois ver os shows do Ministry e Korn no palco Sunset, e aí rumar para o palco Mundo, onde veria Gojira, Royal Blood, Mötley Crüe e Metallica, todos de bem longe, pelo telão.

Uma iniciativa muito legal, aliás, era transmitir as imagens dos shows do palco Sunset nos telões do palco Mundo, para que todos pudessem acompanhar. No início da noite, fogos de artifício iluminaram o céu em uma queima linda, anunciando que o palco principal da primeira noite do festival dedicada ao hard rock e heavy metal estava pronto para receber uma bomba.

GOJIRA



 A banda francesa de death metal não era inédita em festivais brasileiros (tocou no Monsters of Rock 2013, no dia do Slipknot), mas era desconhecida do grande público, que se surpreendeu com o peso, a qualidade e o volume do show dos caras. Eu conhecia algumas músicas, mas não muito profundamente - um erro. A banda tomou conta do palco com maestria, fazendo todos balançarem as cabeças, aplaudirem e gritarem em tom de aprovação. A energia que emanava do grupo, formado por Joe Duplantier (vocal e guitarra), Mario Duplantier (bateria), Christian Andreu (guitarra) e Jean-Michel Labadie (baixo), que parecia realmente feliz por estar ali, contagiou a plateia, principalmente em músicas como "Ocean Planet", "L'Enfante Sauvage", "The Axe" e "Vacuity". A técnica e habilidade de Mario Duplantier nas baquetas foi a maior surpresa do show - o bumbo duplo era martelado sem dó, produzindo um som muito alto e de qualidade. Aliás, agradeço por ter tido a oportunidade de conhecer melhor o Gojira em um show com qualidade do áudio tão boa - o sistema de som do Rock In Rio é excelente, resultado de muita produção e investimento, o que vem faltando nos shows abertos em São Paulo. Ao conquistarem um público tão difícil quanto o do metal, o grupo já carimbou seu passaporte para as próximas vindas, porque todas as críticas que ouvi ao som deles foram positivas; o que me deixa extremamente feliz e cala a boca daqueles que dizem que o rock n' roll está morrendo.


ROYAL BLOOD



Outra banda desconhecida pela maior parte do público - até por estar fora do espectro heavy metal da apresentação. O duo, formado por Mike Kerr (baixo e vocal) e Ben Thatcher (bateria), é mais querido pelo público alternativo, mas é tietado por nomes de respeito, como Jimmy Page (Led Zeppelin), Brian May (Queen) e Lars Ulrich (Metallica). Eu já havia falado sobre eles aqui, mas aqui vai um breve resumo: eles não usam guitarra. Mike pluga seu baixo em um overdrive e dele tira um som incrível, pesado, cheio de groove e encorpado, que não deixa nada a desejar a bandas que tem guitarristas. Admito que rolava um certo receio pela aceitação que eles teriam com um público tão exigente e difícil (e que estava lá pelo Metallica), ainda mais depois da palhaçada que aconteceu com  o Black Veil Brides no Monsters of Rock desse ano, mas a banda deixou sua música falar por si mesma. Logo ao fim da primeira música, podia se ver a interrogação estampada na cara dos presentes: "CADÊ A GUITARRA? DE ONDE SAI ESSE SOM?", e mais tarde, a aceitação: "Ok. Isso é um baixo. FODA!". Como grande fã do grupo, cantei todas as músicas e vibrei no show, e a aceitação popular foi extremamente positiva - mesmo sem conhecer as letras, o pessoal procurava gritar pelo menos os títulos das músicas, e o baterista Ben Thatcher foi até carregado no stage dive. Músicas como "Figure It Out", "Out of the Black", "Loose Change" e "Ten Tonne Skeleton" foram executadas com perfeição - o grupo toca ao vivo com qualidade de CD, e a grata surpresa foi, em alguns momentos, considerada o melhor show da noite.

MÖTLEY CRÜE 



A banda que me levou ao Rio está em sua turnê de despedida - o último show do grupo será no dia 31 de dezembro, em Los Angeles, aonde tudo começou. O Crüe sempre foi ausente na América do Sul - sua primeira apresentação no continente foi em 2008, com um único show em Buenos Aires. Eles tocaram em São Paulo em 2011 num Credicard Hall cheio, porém não lotado, sem muita empolgação.

Porém, para o Rock in Rio, trouxeram uma estrutura de peso. Não é o palco completo da The Final Tour - esse tem uma montanha russa para a bateria de Tommy Lee, chamada de Crüecify - mas o grupo mostra que bebeu diretamente da fonte do Kiss quando se trata de fazer um show pirotécnico, com lança-chamas conectados ao baixo de Nikki Sixx e os tradicionais, na ponta do palco, fazendo os presentes suarem com o calor.

Pontualmente às 22h35, o grupo subiu ao palco ao som de ruídos de motocicletas - "Girls, Girls, Girls", com acompanhamento de duas backing vocals e dançarinas com roupas sensuais, coisa que não é inédita nos shows da banda - vem acontecendo desde 1987. A banda é incendiária no palco, principalmente o guitarrista Mick Mars, que sofre de uma rara doença chamada espondilite anquilosante, que o faz sentir dores insuportáveis na coluna, mas o vocalista Vince Neil deixa muito a desejar. Vince nunca foi um grande cantor, mas vem perdendo fôlego de forma exponencial, e dificilmente consegue terminar versos inteiros das músicas, por conta do ganho de peso e por reflexo do abuso das drogas em seus anos de glória.

O setlist, infelizmente, não trouxe nenhuma novidade em relação ao show apresentado em São Paulo em 2011: a única faixa diferente foi o cover de "Anarchy in the UK", dos Sex Pistols. Isso não faz com que a apresentação não seja empolgante, muito pelo contrário: o glam metal sempre foi conhecido por ser um estilo que glorificava as festas e a diversão. Hinos absolutos como "Wild Side" e "Primal Scream" esquentaram a galera, enquanto Vince Neil pegou a guitarra para a dobradinha "Same Ol' Situation (S.O.S)" e "Don't Go Away Mad (Just Go Away)", mais calma, para os presentes cantarem sacudindo os braços de um lado para o outro e batendo palmas. Achei a presença de covers (o já citado "Anarchy" e "Smokin' in the Boys' Room", do Brownsville Station) no set meio deslocada, afinal, como grande fã do Crüe, eu queria ouvir seu material próprio - "Louder than Hell", do álbum Theatre of Pain, de 1984, estava figurando nas apresentações recentes, e até músicas do último lançamento do grupo, Saints of Los Angeles (2008), seriam uma maneira melhor de passear pelo legado da banda com respeito e imponência.

Em certo momento, a banda saiu do palco e os fãs escolados reconheceram "In the Beginning", a introdução do álbum Shout at the Devil (1983), essencial na discografia de qualquer um que curta heavy metal. Um pentagrama invertido prateado (o mesmo que ilustrava a minha camiseta!) brilhava no telão, e a banda volta ao palco, com Nikki Sixx soltando fogo de seu baixo, para tocar a faixa-título (porém na versão que foi regravada em 1997, o que eu acho que tira um pouco da magia da música).

SIM, O BAIXO TINHA UM LANÇA CHAMAS! Assistir shows pirotécnicos é uma experiência quase infantil - mexe com seu imaginário e te deixa boquiaberto, principalmente quando é uma banda da qual você gosta muito. Depois do espetáculo de fogo, Mick Mars fica sozinho no palco, o pentagrama ainda em chamas, solando com sua guitarra surrada. Na sequência, "Saints of Los Angeles", uma faixa com um vigor incrível e que homenageia apropriadamente toda a história de sexo, drogas e rock n' roll do Mötley Crüe; e "Live Wire", única faixa do excelente álbum de estréia do grupo, Too Fast for Love (1981), a figurar no setlist. As caixas de som retumbam com mais uma introdução, dessa vez com sirenes de polícia e sons de batidas de carro - e já sabemos que uma dobradinha do álbum Dr. Feelgood (1989), o mais bem sucedido comercialmente do grupo, está para vir.

E ela vem. Com vigor e empolgação da banda (porém as falhas da voz de Vince deixam muito a desejar), "Dr. Feelgood", perigosa e sensual, incendeia o público, e "Kickstart My Heart" dá o golpe de misericórdia, trazendo a triste sensação de que o fim está próximo. Nikki Sixx dá seu baixo (com a inscrição RIP RIO na parte de trás) para um sortudo fã paraguaio que está na grade, e os fãs do Crüe se despedem da banda com aquela sensação de que foi curto demais, falta alguma coisa, uma despedida digna. Os integrantes saem do palco, se despedem, jogam palhetas, baquetas e a equipe até mesmo começa a mexer em algumas caixas no palco, quando eu avisto um vulto baixinho e magro com uma inconfundível tatuagem tribal nas costas. Sim, é Tommy Lee, e ele se senta ao piano: o Crüe não sairia do palco sem uma despedida digna, e não tem música melhor para isso do que "Home Sweet Home". A banda se junta, com algum resquício da amizade que os uniu no início, e fazem uma despedida emocionada na qual Vince Neil derruba algumas lágrimas. Depois desse momento arrepiante, temos uma sensação de conclusão, e de que esse momento não vai mais voltar.

METALLICA



A esmagadora maioria do público foi ao Rock in Rio para ver o Metallica. Por isso, vou tentar ser breve. Fui uma grande fã do Metallica por muito tempo, e o fato de que os shows deles são uma grande repetição com alterações muito pontuais desde a turnê de Death Magnetic (lançado em 2008) me desanimou muito em continuar acompanhando seu trabalho. O Rock in Rio foi meu segundo show do Metallica, e admito que as expectativas estavam bem baixas. O show iniciou com "Fuel", faixa respeitável de ReLoad (1997), seguindo com duas porradas excelentes: "Battery" e "For Whom the Bell Tolls" (ou melhor, deveriam ser porradas. O baterista Lars Ulrich aparentemente não possui mais o fôlego que necessita para tocar as músicas antigas com o vigor que elas pedem). Tudo corria aparentemente bem, até a inclusão de "King Nothing", faixa de Load (1996), o disco em que as coisas começaram a dar errado para o Metallica e eles definitivamente perderam sua identidade heavy metal; e a subsequente falha de som em "Ride the Lightning", quando um cabo se desconectou da mesa de som e a banda chegou a se retirar (enfurecida) do palco por alguns minutos, voltando com uma versão muito mais leve de "The Unforgiven", na qual o vocal de James beirava a música country em alguns momentos.


Depois, as duas melhores músicas do show: "Cyanide", de Death Magnetic, excelente e acompanhada por uma incrível animação de pessoas enterradas vivas, dentro de caixões, que morrem sufocadas no desespero de sair dali (só eu fiquei olhando para isso fixamente? E olha que Hetfield e Hammett estavam bem na minha frente), e "Wherever I May Roam", do clássico Metallica, de 1991, mais conhecido como Black Album, uma boa faixa de hard rock com um riff criativo feito para balançar a cabeça.

Porém, a voz de Hetfield ficou suave com o tempo - ele definitivamente não tem mais a voz de seus tempos jovens, de cantor de thrash metal, e as músicas antigas soam leves e perdem muito de seu brilho nessa nova configuração. É um efeito colateral do tempo, mas é desanimador. Para aumentar a quantidade de baladas no setlist, o cover sem atrativos de "Turn the Page", de Bob Seger. Não sei o que aconteceu com o Metallica ultimamente, que lembraram da existência de Load e ReLoad, mas o setlist poderia ser mais bem ocupado com outras faixas.

Uma grata surpresa vem com "The Frayed Ends of Sanity", faixa de ...And Justice for All (1988), que raramente é tocada ao vivo, mas vem ganhando espaço nos shows desse ano. Serve para quebrar a calmaria, precedendo o clássico absoluto "One" (cuja energia é contagiante, mesmo com velocidade reduzida), "Master of Puppets" (que repete os atributos de "One") e "Fade to Black", voltando ao clima mais suave. Para contrastar com esse clima, "Seek and Destroy", uma das músicas mais legais da banda, e a única presente do álbum de estreia Kill 'em All, que traz um clima legal de saudosismo heavy metal ao público.

A banda faz uma breve pausa e retorna com James Hetfield dizendo que vai fazer uma homenagem a Cliff Burton, o gênio das quatro cordas que tragicamente deixou esse mundo há 29 anos, em um acidente de ônibus. Como o Metallica tem um grande repertório de covers (incluindo alguns excelentes, como "Am I Evil?", do Diamond Head), esperava alguma coisa dos Misfits, porque você raramente via Burton e não enxergava a Crimson Ghost, mascote da lenda horror punk, em sua camiseta ou na tatuagem que trazia no ombro. Ledo engano. "Whiskey in the Jar", o single que apresentou o Metallica para boa parte da minha geração (junto com coisas do álbum St. Anger, que continua sendo ignorado), foi a escolhida. É uma faixa legal, contagiante, e que fez eu me empolgar, admito - um dos meus momentos preferidos do show, mas, como admiradora do Metallica thrash, senti falta de uma escolha mais ousada.

Para encerrar, outra dobradinha Black Album: mais uma balada, "Nothing Else Matters" - indispensável, porém quando foi que um setlist de heavy metal ficou tão lento? - e "Enter Sandman", em clima de festa e encerramento, com grandes bolas pretas sendo jogadas para o público brincar.

Eu sempre digo que ver o Metallica é uma experiência pela qual todo fã de rock precisa passar na vida. Uma vez. Mais do que isso, pode chegar a ficar repetitivo, ainda mais se você resolver acompanhar a turnê. É um ritual bem produzido, com som potente e alguns momentos empolgantes, mas sinto falta da juventude e velocidade thrash metal de outrora; ou da banda se reinventando e lançando músicas, para dar algum gás ao fato de que a idade também chega para os garotos de São Francisco.

O FESTIVAL

A estrutura do Rock in Rio me surpreendeu. Achei tudo bem organizado (tirando a saída, que acabou com a paciência de muita gente), a qualidade do som é maravilhosa e a distância entre os palcos é razoável. Até mesmo o lineup, tão criticado, foi diversificado e surpreendente (pelo menos no que diz respeito ao rock e a bandas contemporâneas, como os já citados Gojira e Royal Blood, além de Deftones, Lamb of God e Mastodon). Não é à toa que é o maior festival do mundo - o investimento é pesado! Estou aguardando ansiosamente a próxima edição (mas podia ser sem o Metallica...)



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