Foo Fighters, Kaiser Chiefs e Raimundos no Estádio do Morumbi (23/01/2015)

Eram 18h57 quando os Raimundos subiram ao palco do Morumbi, em São Paulo, para iniciar a noite de rock n' roll tão esperada pelas 60 mil pessoas que lotariam o estádio naquela noite. Ainda estava claro e havia muito espaço a ser preenchido pelo público, mas a banda formada por Digão (vocal e guitarra), Marquim (guitarra e vocal), Canisso (baixo e vocal) e Caio (bateria) mostrou porque se firmou como uma das bandas mais queridas pelo público brasileiro durante os anos 1990 e que está mais forte do que nunca, mesmo tendo passado por momentos muito difíceis. Com um setlist curto, porém rechado de clássicos ("Eu Quero ver o Oco", "Esporrei na Manivela", "Nega Jurema", o hit absoluto "Mulher de Fases", "Palhas do Coqueiro", "I Saw You Saying" e "Me Lambe" estavam todas lá, sendo cantadas em uníssono), os malucos de Brasília agitaram com seu hardcore safado, que não perdeu a essência durante os anos - "Gordelícia", single do álbum mais recente, Cantigas de Roda, segue a mesma fórmula de humor que consagrou o grupo. As rodinhas de bate cabeça apareceram na pista e a chuva não desanimou o público, que pelo visto não se importaria com mais algumas músicas do grupo brasileiro. O único ponto baixo foi um problema de som logo na segunda música, "Esporrei na Manivela", que foi corrigido, mas fez com que o público não conseguisse ouvir direito boa parte desse clássico.

Debaixo de uma forte chuva, às 19h50, os britânicos do Kaiser Chiefs entravam no palco, após terem passado uma parte da tarde andando livremente pela arquibancada do estádio e tirando fotos com alguns fãs. Na fila, era possível ver algumas pessoas usando a camiseta da banda, e foi uma escolha até que acertada para a abertura do show do Foo Fighters, já que boa parte se mostra bastante receptiva ao indie rock. Com uma performance animada, Ricky Wilson (vocal), Andrew White (guitarra), Simon Rix (baixo), Nick Baines (teclados) e Vijay Mistry (bateria) deram um gás no público e deixaram a maior parte daqueles que não os conheciam interessados em seu som. Ricky tem uma presença de palco incrível e pareceu aceitar seu papel de banda de abertura com humildade, dividindo o público em coros de "Foo Fighters!". O estádio pulou e cantou para o maior hit do grupo, "Ruby", mas faixas como "I Predict a Riot" e "Everyday I Love You Less and Less" também se mostraram conhecidas por parte dos presentes.

E daí a chuva para e os reis da noite entram no palco, às 21h17, com "Something for Nothing", do novo álbum, Sonic Highways. Dave Grohl escorrega na água da chuva acumulada, mas se levanta rapidamente sem perder o pique. O setlist foi recheado de clássicos, cantados com as vísceras pelo público; em "The Pretender", a segunda faixa, o público fez um flash mob, jogando papel picado vermelho para o alto, em alusão à explosão de tinta presente no clipe. "Learn to Fly", "Breakout", "Arlandria" e "My Hero" foram executadas com muito gás, mostrando que o que o Foo Fighters faz melhor é tocar uma música atrás da outra, mesmo que estendam um pouco as faixas para mostrar seu talento nos instrumentos e também sua química como banda. O mais triste é ver uma banda que é conhecida por suas performances enérgicas tocar com um som muito baixo, como é comum atualmente em shows de estádio, provavelmente por conta de leis contra "poluição sonora".

Em "Cold Day in the Sun", a banda toca trechos de "Tom Sawyer" (clássico do Rush) e "War Pigs" (Black Sabbath), com muito bom humor. Bom humor, aliás, é quase o que se vem à cabeça quando se pensa nos Foo Fighters, principalmente para a turma que os acompanha desde 1995, quando os hilários clipes de "Everlong", "Big Me" e "Learn to Fly" preenchiam a programação da extinta MTV Brasil. Dave (que por si só é uma lenda, tendo alcançado sucesso como baterista do Nirvana) mostra no palco porque ganhou o título de "cara mais legal do rock": faz piadinhas toda vez que interage com o público (como quando diz que fará com que o show seja memorável para apenas uma fã que nunca viu os Foo Fighters ao vivo, ou diz "fuck the lyrics" quando balbucia sílabas ao maior estilo Ozzy Osbourne, em "War Pigs") e, após uma linda versão da balada "Skin and Bones", chama um fã para subir ao palco e pedir a namorada em casamento. Vinicius (ou Vesuvius, como disse Grohl) e Monica com certeza terão uma união muito feliz, porque ela já começou abençoada por um deus do rock!

Para coroar o momento romântico, Dave, seu violão e o estádio cantam "Wheels". O clima intimista continua no começo de "Times Like These" (que não deveria ser desacelerada, mas o propósito com que isso acontece é uma desculpa mais do que aceitável), mas, quando as luzes se acendem novamente, a banda toda (Chris Shiflett e Pat Smear nas guitarras, Nate Mendell no baixo, Taylor Hawkins na bateria e Rami Jaffee nos teclados) está no B-Stage, estrutura que se eleva debaixo da passarela que Dave utilizou para ficar mais perto do público. Também no B-Stage, a sessão de covers é inaugurada: a banda pega fogo com "Detroit Rock City", clássico do Kiss (que não causou a comoção esperada no público - eu pelo menos percebi que muitos não conheciam a música), "Stay With Me", dos Faces, e uma dobradinha do Queen.

Em "Tie Your Mother Down", Taylor Hawkins abandona a bateria e assume uma persona hilária de frontman, imitando com precisão Freddie Mercury, enquanto Dave toma conta das baquetas, realizando o sonho de muitos fãs do Nirvana ali presentes. Ao fim da música, os dois voltam às suas posições originais e Grohl apresenta "Under Pressure", dizendo que foi uma canção que influenciou todos os membros da banda. É um momento lindo, pois se trata de um ótimo hit de rock de arena, feito para ser cantado por multidões, e torna aqueles simples minutos uma cerimônia solene.

Assim, a banda volta ao palco principal, com o hit absoluto "All My Life", que devolve a essência mais porrada da banda, comparado ao brilhantismo dos covers. "These Days" (que contou com a iluminação mais bonita do show, em tons de azul e roxo), quase colocou o Morumbi abaixo, e "Outside", do novo álbum, deu um tempo para as gargantas descansarem antes do golpe de misericórdia dos Fighters.

Depois de duas horas e meia, o público podia perceber que o fim estava próximo. "Best of You" fez com que todos soltassem berros viscerais, e o coro foi repetido até mesmo depois do fim da música, quando Dave fazia uma espécie de discurso final. Ao escutar isso, Grohl não perdeu o bom humor: "Essa música já acabou! O que vocês esperam que eu faça? Nós temos outra música!". Diante da insistência da platéia, ele finge ficar bravo: "Parem de cantar 'Best of You'!", e inicia os acordes de "Everlong", tradicionalmente conhecida como a encerradora oficial de shows da banda. É claro que ninguém quer que eles vão embora, mas é isso o que acontece, depois de uma performance esmagadora de quase três horas, que se assemelha a uma experiência religiosa para parte dos presentes. A chuva voltou a dar o ar de sua graça, mas pode-se atribuir o significado poético de 'lavar a alma' para concluir um show tão repleto de emoções. Dave promete voltar em breve, e é claro que todos iremos vê-lo de novo, porque o cara mais legal do rock sabe como dar um bom show.

CRÉDITO DA FOTO: Camila Cara


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